Você pode não gostar da deputada Carla Zambelli. Você pode até achar que ela merece ser punida pela justiça. O que você não deve, sob pena de abrir um precedente perigoso, é deixar de perceber os enormes abusos que o judiciário está cometendo em relação ao caso dela.
O grande equívoco daqueles que fazem parte da grande massa acrítica e polarizada, é considerar, infantilmente, que todo mal infligido aos seus adversários, é sempre bem feito.
O tolo considera que tem uma vitória, toda vez que o seu oponente sofre um revés, mesmo que seja de forma injusta e arbitrária, sem perceber que a injustiça é praticada pelos injustos.
Os injustos, por sua vez, não costumam ter critérios lógicos na escolha de suas vítimas, o que significa dizer que, por um motivo banal qualquer, amanhã a vítima poderá deixar de ser o seu adversário e passar a ser você. Neste momento, você estará em posição de desvantagem, diante do monstro que ajudou a alimentar e criar.
Vamos aos fatos. Acusada de pagar um hacker para invadir computadores da Justiça e adulterar documentação, Carla Zambelli foi condenada (ainda cabe recurso) a uma pena de mais de 10 anos de prisão em regime fechado. A condenação e a pena não estão em questão aqui.
Preocupada em não conseguir se livrar da cadeia, como ela mesma revelou, a deputada resolveu sair do país. Inicialmente foi para os Estados Unidos, mas tem planos de se fixar na Itália, onde tem cidadania.
Os abusos começaram, depois que a deputada deixou o país. Primeiro porque a saida dela se deu de forma absolutamente legal, já que, mesmo sendo processada, não havia qualquer restrição judicial que a proibisse de deixar o país.
A atitude do judiciário brasileiro de decretar a prisão da deputada e de tentar incluir o nome dela na lista da Interpol, foi o primeiro absurdo. Isso porque, para que se decrete a prisão de qualquer cidadão brasileiro, conforme a nossa Consituição, é necessário que esse cidadão seja preso em flagrante, ou represente alguma ameaça. O crime cometido por ela já tem tempo e ela não representa ameaça pra ninguém, a não ser para o atual governo do país, a quem faz oposição, o que torna todo o contexto ainda mais suspeito.
Mesmo se considerarmos a hipótese de que a parlamentar deveria ser presa por tentar fugir da condenação judicial, que poderá (ou não) vir ao final do processo, como, neste caso específico, se trata de uma deputada, esse pedido de prisão teria antes que ter a permisssão do Congresso Nacional, que nem sequer foi comunicado.
Outro abuso flagrante, foi a determinação do bloqueio das redes sociais de Carla Zambelli. Esse bloqueio só poderia ser exigido, depois que ela cometesse algum ato criminoso em seus perfis, e não pela simples presunção de que ela vai cometer, o que caracteriza censura prévia, que também é vetada pela nossa lei maior.
O cancelamento das redes sociais, ainda implica no atropelo de outro direito fundamental de qualquer cidadão, que é o direito da ampla defesa.
Numa democracia saudável, a deputada teria direito amplo de revelar a versão dela dos fatos em todos os canais disponíveis, principalmente porque o processo ainda está em andamento, e a condenação definitiva ainda está sendo decidida (se houver). Apenas nas piores ditaduras é que somente os acusadores têm direito de se expressar.
Mas o maior abuso de todos foi o cancelamento, por tabela, das redes sociais da mãe da deputada, e também das redes do filho dela adolescente.
Eles não fazem parte do processo. Isso é o mesmo que você ser surpeendido em sua casa por agentes da Polícia Federal, querendo te levar preso porque um parente seu acaba de assaltar um banco ou traficar drogas. Isso abre um precedente perigosíssimo, para que você perca direitos fundamentais, em consequência de ações realizadas por terceiros, sobre as quais você não tem o mínimo controle.
Que meia dúzia de funcionários públicos de alto escalão, que ajudam abertamente no aparelhamento do sistema de poder vigente, compartilhem desses atos arbitrários, é compreensível, embora não aceitável. Estão fazendo o jogo deles com objetivos que não dizem respeito ao bem geral da nação.
Triste e arriscado mesmo, é perceber que uma parcela significativa da população faz coro de apoio a esses abusos. Não percebem, coitados, que estão detruindo as garantias básicas de que um dia eles mesmos poderão necessitar.
Era uma vez um homem trancado em uma cela com seus inimigos, que tinha um crocodilo de estimação. O crocodilo era treinado, para devorar, um a um, em poucos minutos, todos os outros presos que o homem não gostava.
O dono do crocodilo vibrava de alegria a cada adversário devorado. Ele só entendeu de verdade a dimensão do que estava fazendo, no dia em que todos os companheiros de cela já tinham sido devorados.
Neste dia, o crocodilo, como é comum à sua natureza de fera, passou a olhar pra ele com cara de fome, e ele não tinha quem o defendesse, nem, muito menos, pra onde fugir. Restaram na cela apertada, somente ele e a sua fera de estimação.
Fica a dica.